Cansado de Deus
O título acima pode parecer complemente impróprio para o editorial de um boletim dominical de uma igreja cristã reformada, porém constatamos com profunda tristeza no cenário evangélico os sintomas que apontam para um fastio no que diz respeito à comunhão com Deus.
É verdade que o sentimento (tédio de Deus) não é algo recente, nem apenas presente na cultura ocidental. O profeta Malaquias, muitos séculos atrás, como arauto do Senhor denunciou o comportamento de seus contemporâneos (orientais) como reprovável, justamente por considerarem o culto a Deus como algo desprezível, cansativo e até imundo (Ml 1.6-14).
Comumente, não é por meio de palavras proferidas que detectamos o quadro acima mencionado. Não
encontramos com freqüência cristãos falando que perderam o interesse por Deus e sua obra, ou que estão entediados das questões celestiais. A anomalia do enfado de Deus é mais claramente percebida por meio da análise das atitudes que caracterizam a forma de vida de alguns cristãos. Vejamos algumas:
1. Desprezo pelas Escrituras: embora o número de versões da Bíblia aumente a cada ano, a tiragem de
exemplares alcance a casa dos milhões e as formas de apresentação da mensagem bíblica sejam diversas (impressa, áudio, digital, Libras e Braile), muitos passam semanas sem nenhum contato com a Palavra de Deus. Afalta de intimidade com as Escrituras pode ser constatada pela dificuldade que muitos apresentam na localização de alguns livros, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. A leitura da Bíblia é algo que deve fazer parte da nossa vida diária (Sl 1.2), deve ocorrer de forma natural e agradável (Sl 19.10) sendo suas instruções devidamente postas em prática (Sl 119.105).
2. Negligência para com a oração: quando oramos falamos com o Senhor. O cristão que não tem prazer em conversar com o Pai Celestial certamente demonstra sintomas de uma grave enfermidade (apatia espiritual). Hoje é muito comum a apresentação da “falta de tempo” como justificativa para a ausência de vontade em apresentar-se a Deus em fervente oração, seja de forma particular ou comunitária. O salmista buscava diariamente ao Senhor (Sl 5.3), sabia que suas palavras eram acolhidas (Sl 65.2) e que sua súplica não ficaria sem resposta (Sl 66.19-20).
3. Descaso para com o culto público: é verdade que podemos cultuar a Deus em casa, e certamente devemos fazê-lo com alegria e diariamente. O que não é correto é a afirmação de que o culto doméstico substitui o culto congregacional. Antes da pandemia do COVID-19 constatávamos com facilidade o culto público ser substituído por fúteis atividades. Pessoas se ausentavam da adoração comunitária simplesmente porque não estavam com vontade, e a ausência de vontade de cultuar a Deus é certamente um sinal claro de que a pessoa estava enfadada, cansada, e sem prazer em relacionar-se com Deus. O salmista expressa de forma intensa sua saudade do encontro comunitário para louvar a Deus (Sl 42), o templo e o que ele representa se constitui em deleite para ele (Sl 84), pois, o simples convite para comparecer à Casa de Deus já era motivo de júbilo (Sl 122.1).
Creio que seja oportuno suplicarmos a Deus sua singular ajuda para identificarmos nossa situação (Sl 139.23-24), é tempo de rogarmos sua graciosa ação restauradora (Sl 51.10,12).
Que nossas atitudes demonstrem que não estamos enfadados, entediados, cansados de Deus, antes demonstrem que temos sede de Deus e nele diariamente esperamos (Sl 130).
Rev. Jailto Lima do Nascimento