Vivendo sem medo do futuro

Referência: Filipenses 1.19-30

INTRODUÇÃO

1. Olhando para a vida com os olhos de Deus

O apóstolo Paulo está preso, aguardando o seu julgamento. Sua absolvição é ansiosamente esperada pelos crentes de Filipos. Mas, sua condenação por parte do imperador Nero é uma dolorosa possibilidade, pensavam os crentes macedônios. O veterano apóstolo, porém, mesmo preso em Roma, algemado a um soldado da guarda pretoriana, aguardando uma sentença que poderia levá-lo à morte, transborda de alegria e encoraja a igreja de Filipos a viver do mesmo jeito. Sua segurança decorre de três fatos:

Em primeiro lugar, ele olha para o passado sem amargura (1.12). Ele sofreu perseguição, açoites, prisões, acusações levianas, privações, naufrágios, fome e frio, mas ao computar todas essas coisas, disse que elas contribuíram para o progresso do evangelho.

Em segundo lugar, ele olha para o presente com alegria (1.13-18). Sua prisão longe de interromper ou limitar seu ministério, abriu-lhe novos horizontes. A igreja de Roma foi revitalizada por suas algemas, a guarda de elite do imperador passou a conhecer a Cristo por seu intermédio e as cartas da prisão romperam os séculos e, como sempre foram e são, ainda serão verdades consoladoras de Deus para o seu povo.

Em terceiro lugar, ele olha para o futuro com gloriosa certeza (1.19-26). O futuro não amedronta Paulo. O fim da linha não é o martírio, mas a glória. A última cena não é a guilhotina romana, mas o paraíso. A morte para ele não é um fim trágico, mas uma recompensa gloriosa. Morrer não é ir para um sepulcro escuro e gelado, mas partir para estar com Cristo.

Warren Wiersbe diz que por causa das cadeias de Paulo, Cristo tornou-se conhecido (1.13). Por causa de seus críticos, Cristo foi pregado (1.18). Mas, por causa de seu sofrimento, Cristo foi engrandecido (1.20).

2. Olhando para a vida pela ótica dos irmãos

Paulo jamais centralizou sua vida em si mesmo, em seus desejos e necessidades. Ele sempre colocou os outros na frente do eu. Ele sempre abriu mão de seus direitos em favor dos outros. Ele preferia morrer e estar com Cristo, mas por amor à igreja estava disposto a ficar. Se para ele o viver é Cristo, o motivo para continuar vivo é abençoar os irmãos (1.24,25). Ele não pensa em aposentadoria, em enfiar-se num pijama e comprar uma cadeira de balanço. Paulo não pensa em sair de cena e buscar um tempo de recolhimento para cuidar de si. Paulo é como uma vela, ele quer brilhar com a mesma intensidade enquanto viver.

No texto em apreço, Paulo abre as cortinas da sua alma e nos oferece sua visão confiante quanto ao futuro.

I. A CERTEZA (1.19)

Paulo não é um estóico, mas um cristão. Ele não tem prazer em sofrer. Ele não acredita que o seu sofrimento é meritório. Ele está preso, mas seu desejo é sair da prisão. O apóstolo afirma: “Porque estou certo de que isto mesmo, pela vossa súplica e pela provisão do Espírito de Jesus Cristo, me redundará em libertação” (1.19). A palavra usada por Paulo para “libertação”, soteria, pode significar aqui segurança, salvação ou bem estar.

Paulo demonstra confiança nessa libertação por duas razões básicas: uma humana e outra divina.

1. Pela oração da igreja (1.19)

Paulo foi o maior teólogo do cristianismo. Ele foi o maior intérprete das verdades cristãs. Por outro lado, ninguém expressa tanta confiança na oração como ele. Ele ora pela igreja (1.4-11) e pede orações da igreja (1.19; 1Ts 5.25; 2Ts 3.1,2; 2Co 1.11; Fm 22; Rm 15.30-32). Ele está preso e tem certeza de sua libertação por causa das orações da igreja em seu favor. A Bíblia diz que muito pode por sua eficácia a súplica do justo (Tg 5.16). Ralph Martin diz que a súplica dos filipenses é resposta à sua súplica a favor deles (1.4).

2. Pela provisão do Espírito de Jesus Cristo (1.19)

A ação de Deus não anula a intervenção divina nem a soberania de Deus isenta a responsabilidade humana. Pela provisão do Espírito Santo Paulo será posto em liberdade, mas essa ação do Espírito vem como resposta da oração da igreja. A provisão do Espírito sugere um revestimento, e fortalecimento de sua vida, de tal forma que sua coragem não lhe falhará; e nem será, seu testemunho, prejudicado (1.20), seja qual for o resultado do processo contra ele. A ajuda do Espírito é nada menos que o poder de Cristo disponível para seu povo.

II. A EXPECTATIVA (1.20)

Paulo é um homem que está olhando para o futuro erguido na ponta dos pés, com a visão do farol, subindo nos ombros dos gigantes. Em toda esta situação Paulo tem uma esperança. A palavra que usa para “esperança” é muito gráfica; é um termo inusitado. Trata-se de apokaradokia. Apo significa “fora de”; kara, “cabeça”; dokein, “mirar”. Assim, apokaradokia significa a mirada ardente, concentrada, e persistente que se aparta de qualquer outra coisa, para fixar-se somente no objeto do seu desejo.

Ralph Martin corrobora afirmando que essa palavra é bastante pitoresca, denotando um estado de antecipação viva do futuro, o esticar do pescoço para captar um vislumbre daquilo que jaz à frente, “a esperança intensa, concentrada, que ignora outros interesses (apo), e força-se para frente, como que esticando a cabeça (kara, dokein). Desta forma apokaradokia é uma atitude positiva para com aquilo que o futuro possa trazer. A expectativa de Paulo é demonstrada de duas formas:

1. Não ser envergonhado (1.20)

Paulo está numa prisão e não numa cátedra. Ele está algemado e não num púlpito. Sobre ele pesa acusações. Sua vida está sendo devassada e vasculhada. Seus inimigos são ardilosos e implacáveis. As acusações contra ele são pesadas e levianas. Paulo reconhece que precisa das orações da igreja e do socorro do Espírito Santo para não sucumbir. Os cristãos no primeiro século foram acusados de canibais, de incendiários e de licenciosos. Paulo era o líder desse grupo. Apesar de todas essas adversidades, Paulo tem expectativa de não ser envergonhado em seu julgamento.

2. Glorificar a Cristo no corpo (1.20)

As metas mais cobiçadas por Paulo não eram ser um homem famoso e rico, mas glorificar a Cristo em seu corpo. Ele não estava construindo seu próprio império e reino pessoal, mas buscando a glória do Rei Jesus. Ele não estava atrás de glórias humanas ou prestígio político em Roma, mas buscava com todas as forças da sua vida glorificar a Cristo em seu corpo. Paulo não era um obreiro fraudulento, charlatão, mercadejador do evangelho. Ele não estava construindo um patrimônio financeiro como tantos obreiros inescrupulosos, usando seu prestígio para abastecer-se. Paulo compreendia que havia sido comprado por alto preço e, agora, queria glorificar a Cristo em seu corpo (1Co 6.20). Como Ellicott o expressa belamente, Paulo diz: “Meu corpo será o teatro no qual se manifestará a glória de Cristo”.

Werner de Boor diz que Paulo não era um platônico, que somente valorizava “a alma” e desprezava o corpo como insignificante ou até mesmo mau. Paulo entendia que precisava manter o corpo com rédeas curtas (1Co 9.27). Ela sabia que as práticas do corpo precisavam ser mortificadas por meio do Espírito (Rm 8.13). Esse corpo “insignificante”, muitas vezes tão precário e maltratado, é o meio da glorificação de Jesus!

Paulo diz para a igreja de Filipos que a glorificação do nome de Cristo em seu corpo ocorrerá independentemente do desfecho do processo, tanto no caso de soltura como no caso de execução, ou seja, quer pela vida, quer pela morte.

Warren Wiersbe compara o nosso corpo como um telescópio e um microscópio. Enquanto o telescópio aproxima o que está distante, o microscópio amplia o que é pequeno. Para o incrédulo, Jesus não é grande. Outras pessoas e coisas são muito mais importantes do que ele. Mas, ao observar o cristão passar por uma experiência de crise, o incrédulo deve ser capaz de enxergar a verdadeira grandeza de Jesus Cristo. O corpo do cristão é uma lente que torna o “Cristo pequeno” dos incrédulos extremamente grande e o “Cristo distante”, extremamente próximo. Como Paulo deseja glorificar a Cristo em seu corpo?

Em primeiro lugar, glorificar a Cristo pela vida. A glória de Deus é o fim último da existência humana. Nosso viver será em vão se Cristo não for glorificado em nosso corpo. Nosso corpo é habitação de Deus, pertence a Cristo e deve glorificar a Cristo. Mesmo já velho, trazendo no corpo as marcas de Cristo, fustigado pelo espinho na carne, tendo passado por açoites, prisões e escassez de pão, Paulo quer glorificar a Cristo em seu corpo pela sua vida.

Em segundo lugar, glorificar a Cristo pela morte. Não basta viver bem, é preciso morrer bem. Não morre bem, quem não vive para glorificar a Cristo. Paulo deseja ardentemente glorificar a Cristo em sua morte, como o glorificou em sua vida. Não pode ter a morte de um justo quem viveu como um ímpio. Não pode glorificar a Cristo na morte quem não o glorificou na vida. Miguel Gonçalves Torres, pastor presbiteriano que viveu no século XIX, disse na hora da morte: “Eu pensei que eu iria para o céu na hora da morte, mas foi o céu que veio me buscar”. Dwight Moody, o grande avivalista do século XIX disse na hora da sua partida: “Afasta-se a terra, aproxima-se o céu, estou entrando na glória”. Martyn Lloyd-Jones, o ilustre pregador galês, considerado o pastor mais influente do século XX, ao morrer, disse para sua família: “Não orem mais por minha cura, não me detenham da glória”.

III. A EXPLICAÇÃO (1.21)

O apóstolo Paulo não tem apenas expectativa, ele tem razões sobejas e convincentes porque deseja glorificar a Cristo tanto pela vida como pela morte. Exatamente porque ele está pronto para morrer, é que ele está pronto para viver, diz Bruce Barton. No versículo 21 ele vai explicar porque tem a expectativa de glorificar a Cristo na vida e na morte.

1. A vida é Cristo (1.21)

Para aqueles que não crêem em Deus, a vida sobre a terra é tudo o que existe. Então, é natural que essas pessoas lutem desesperadamente pelos valores deste mundo como dinheiro, popularidade, poder, prazer, e prestigio. O homem está em busca de sentido. Os filósofos, esbaforidos, na sua busca pela verdade vasculham os densos volumes da história do pensamento humano, buscando encontrar o sentido último da existência humana. Os psicólogos mergulham no oceano dos sentimentos mais profundos da alma humana buscando uma razão para a vida. Muitos tentam encontrar o sentido da vida no dinheiro, no prazer, no sucesso e no poder. Porém, essa é uma busca inglória. É como buscar água em cisternas rotas. É como lavrar uma rocha. Deus colocou a eternidade no coração do homem e as coisas temporais e terrenas não podem satisfazê-lo.

O grande paladino do cristianismo, o velho e surrado apóstolo, diz que Cristo é a razão da vida. Para Paulo, Cristo marcava o começo, a continuação, o fim, a inspiração, e a recompensa da sua vida.

2. A morte é lucro (1.21)

A morte para o cristão não é o final da linha. A morte não é a cessão da existência. A morte não é um fracasso nem uma derrota. Para o cristão, a morte é lucro e isso por algumas razões:

Em primeiro lugar, a morte é lucro porque é o descanso das fadigas (Ap 14.13). A vida está crivada de muito sofrimento. Aqui há choro e dor. Aqui há vales sombrios e trabalhos extenuados. Mas, a morte é o descanso das fadigas.

Em segundo lugar, a morte é lucro porque morrer é ser aperfeiçoado para entrar na glória (Hb 12.23). A morte para o cristão não é decadência, mas aperfeiçoamento para entrar na glória, na cidade santa, na Jerusalém celeste.

Em terceiro lugar, a morte é lucro porque morrer é ir para o seio de Abraão (Lc 16.22). Quando um cristão morre, seu corpo desce ao pó, mas seu espírito volta para Deus (Ec 12.7). Morrer é ir para a Casa do Pai, para o seio de Abraão, para o paraíso. Jesus disse para o ladrão arrependido na cruz: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23.43).

Em quarto lugar, a morte é lucro porque a morte de um justo é algo belo aos olhos de Deus (Sl 116.15). Porque Cristo venceu a morte, tirou o seu aguilhão e triunfou sobre ela, a morte não mais nos separa de Deus (Rm 8.38). Agora, a morte dos santos é preciosa a Deus porque pela morte entramos no gozo do Senhor (Mt 25.34).

IV. A TENSÃO (1.22-26)

Paulo está vivendo uma grande tensão. Ele está dividido entre a vida e a morte. O que escolher? O que é melhor? J. A. Motyer diz que Paulo coloca na balança essa tensão e vê que tanto a vida quanto a morte são desejáveis, porém, ele tem uma preferência pela morte, embora aliste razões para continuar vivendo.

1. O desejo semelhante de viver e morrer (1.22-23)

No versículo 22 Paulo expressa seu dilema e sua tensão: “Entretanto, se o viver na carne traz fruto para o meu trabalho, já não sei o que hei de escolher”.

No versículo 23, ele aponta seu constrangimento de desejar partir: “Ora, de um e outro lado, estou constrangido, tendo o desejo de partir e estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor”. Todos os cristãos vivem esse conflito e essa tensão. Nossa Pátria está no céu (3.20). Nosso nome está escrito no livro da vida (4.2). A morte para nós é lucro (1.21). Porém, ainda temos um trabalho a fazer aqui (1.22). Estamos no mundo como embaixadores de Deus, como ministros da reconciliação, como cooperadores de Deus. Andar com Deus e fazer sua obra é a razão de ainda continuarmos neste mundo.

O cristão não foge da vida nem teme a morte. Ele abraça a vida e a morte com a mesma empolgação. Na vida Cristo está com ele; na morte ele está com Cristo. Na vida ele realiza a obra de Cristo; na morte ele desfruta da glória de Cristo.

2. A preferência da morte (1.23)

Paulo depois de afirmar que morrer é lucro, agora, afirma que ele prefere a morte à vida. No versículo 23 Paulo nos fala sobre três aspectos importantes da morte do cristão:

Em primeiro lugar, a natureza da morte. Paulo fala da morte como uma partida. Ralph Martin diz que essa palavra “partir” não deve ser interpretada como um anseio por imortalidade, a qual os gregos procuravam atingir mediante o derramamento do corpo físico, permitindo, assim, que o espírito escapasse de sua prisão. A metáfora do verbo poderia ter sido emprestada da terminologia militar (retirar-se do campo) ou da linguagem náutica (libertar o barco de suas amarras). O pano de fundo geral, mais imediato, não é o debate filosófico, grego, a respeito da imortalidade da alma, que procura libertar-se do corpo, à hora da morte, mas a esperança de uma união mais íntima com Cristo. Essa palavra grega analyein é muito sugestiva. Ela tem um rico significado.

Primeiro, ela significa ficar livre de um fardo. Esse era um termo usado pelos agricultores para se referir ao ato de remover o jugo dos bois. Paulo havia levado o jugo de Cristo, que era suave (Mt 11.28-30), mas também havia carregado inúmeros fardos em seu ministério (1Co 11.22-12.10). Partir e estar com Cristo significa colocar de lado todos os fardos, pois seu trabalho na terra estaria consumado. A morte é o alívio de toda fadiga (Ap 14.13). A morte é descanso (Hb 4.9). A morte é entrar na posse do reino e no gozo do Senhor (Mt 25.34).

Segundo, ela significa levantar acampamento. A idéia central aqui é de desatar as cordas da tenda, remover as estacas e prosseguir a marcha. A morte é colocar-se em marcha. Cada dia desta marcha é uma jornada que se aproxima mais do nosso lar. Até que enfim se levanta pela última vez o acampamento neste mundo e se transfere para a residência permanente na glória. A tenda em que vivemos é desarmada pela morte. A morte é uma mudança de endereço. Deixamos uma tenda frágil e mudamos para uma casa feita não por mãos, eterna no céu (2Co 5.1). Deixamos um corpo de humilhação e nos revestimos de um corpo de glória (3.21). Deixamos este mundo onde passamos por aflição e entramos na Casa do Pai, onde Deus enxugará dos nossos olhos toda lágrima.

Terceiro, ela significa desatar as amarras do bote, levantar as âncoras e lançar-se ao mar. Morrer é empreender essa viagem para o porto eterno e para a Deus, diz William Barclay. A morte é uma viagem rumo à eternidade. É uma jornada para a casa do Pai, para o paraíso, para o seio de Abraão, para a Jerusalém celeste.

Em segundo lugar, a bênção da morte. Paulo diz que morrer é partir para estar não no purgatório, nem no túmulo, ou em sucessivas reencarnações, mas estar Cristo. Morrer é deixar o corpo e habitar imediatamente com o Senhor (2Co 5.8). Morrer não é partir para o além desconhecido, mas partir para estar com Cristo no céu. A morte não é uma viagem rumo às trevas, ao desconhecido ou ao tormento ou à solidão. A morte é uma partida para estar com Cristo, para se ter íntima, perfeita e eterna comunhão com ele.

Em terceiro lugar, a superioridade da morte. Paulo diz que morrer é estar com Cristo, o que é incomparavelmente melhor. O advérbio triplo em grego (literalmente: “antes muito melhor”) significa “sem comparação, o melhor”, isto é, um superlativo super-enfático. O céu é melhor. A glorificação é melhor. Estar com Cristo com um corpo de glória é melhor. Ver a Jesus glorificado e desfrutar da sua companhia eternamente é melhor. Estar na casa do Pai, onde não tem mais dor, nem lágrima nem luto é melhor.

3. O motivo para continuar vivendo (1.24-25)

Paulo não tem medo da morte e até deseja a morte, porque morrer é partir para estar com Cristo, mas por causa dos crentes (1.24) é mais necessário permanecer vivendo. O motivo da sua necessidade de ficar vivo é o progresso e gozo na fé de seus filhos espirituais (1.25,26).

No versículo 25 Paulo diz: “E, convencido disto, estou certo de que ficarei e permanecerei com todos vós, para o vosso progresso e gozo da fé”. Paulo tem a convicção que ficará e permanecerá. Ele usa aqui um jogo de palavras. “Ficarei”, menein, que significa “permanecer com”, enquanto “permanecerei”, paramenein, significa “aguardar ao lado de uma pessoa estando pronto para ajudá-la em todo o momento”. Paulo deseja viver não para si mesmo, mas para os seus irmãos.

Bruce Barton diz que a respeito desta matéria devemos evitar dois erros: primeiro, trabalhar a ponto de perder de vista nossa gloriosa morada com Cristo; segundo, desejar somente estar com Cristo e negligenciar a obra que ele nos chamou para fazer. O cristão ama a vida sem ter medo da morte. Ele é cidadão de dois mundos. Ao mesmo tempo em que luta para a implantação do reino de Cristo na terra, sabe que sua Pátria está no céu. Pensar somente na terra sem voltar-se para o céu produziu uma geração racionalista e estéril. Pensar somente no céu sem envolver-se com a agenda de Deus na terra produziu um bando de místicos vazios e inconseqüentes.

V. A EXORTAÇÃO (1.27-30)

Ralph Martin diz que a seção que compreende os versículos 27 a 30 é rica de termos militares: estais firmes (resolutos como soldados plantados em seus postos); lutando (associa-se com campanha militar, em batalha, ou com arena, onde os gladiadores lutavam em combate de vida ou morte); pelos adversários (humanos ou demoníacos); o mesmo combate (proveniente do grego agon como o que Paulo havia conhecido na época de sua primeira visita à cidades deles (1Ts 2.2).

Warren Wiersbe resume esse parágrafo assim: coerência (1.27a), cooperação (1.27b) e confiança (1.28-30). A maior arma contra o inimigo é uma vida piedosa, coerente, digna. Mas, a igreja é mais do que a vida particular de cada um de seus membros. A igreja é uma equipe, é um time que precisa trabalhar unido. Mas, não basta aos membros da igreja estarem juntos, eles precisam ter confiança e não viverem assustados diante do sofrimento.

Podemos sintetizar este parágrafo, destacando três coisas importantes:

1. A necessidade de viver de modo digno do evangelho (1.27)

A teologia precisa produzir vida. A doutrina precisa desembocar em ética. Aqui é o evangelho que estabelece a norma ética. Os crentes de Filipos deviam viver como pessoas convertidas tanto dentro da igreja, como lá fora, no mundo. A fé que abraçamos precisa moldar nosso caráter.

A vida do cristão, segundo Juan Carlos Ortiz é o quinto evangelho, a página da Bíblia que o povo mais lê. Precisamos viver de modo digno para não sermos causa de tropeço para os fracos. Precisamos viver de modo digno para não baratearmos o evangelho que abraçamos. Precisamos viver de modo digno para ganharmos outros com o nosso testemunho.

A palavra usada por Paulo aqui é muito sugestiva. A ordem: “vivei”, politeuesthai significa “ser cidadão”. Paulo escrevia de Roma, o centro do Império Romano. Foi o fato de ser cidadão romano que o conduziu à capital do império. Filipos era uma colônia romana, uma espécie de miniatura de Roma. Nas colônias romanas os cidadãos jamais se esqueciam que eram romanos: falavam o latim, usavam vestimentas latinas, davam aos seus magistrados os títulos latinos. Assim, Paulo está dizendo para os crentes de Filipos que assim como eles valorizavam a cidadania romana, deviam também valorizar, e ainda mais, a honrada posição que ocupavam como cidadãos do céu (3.20).

2. A necessidade de unidade no trabalho (1.27)

A igreja de Filipos estava sendo atacada numa área vital, a quebra da comunhão (2.1-4; 4.1-3). Eles estavam fazendo a obra de Deus, mas divididos. Paulo os exorta a estarem firmes em um só espírito, como uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica. A unidade da igreja deve ser expressa em várias áreas, segundo J. A. Motyer.

Em primeiro lugar, unidade de coração e de mente (1.27). Isto fala das afeições, de como nós sentimos diante das pessoas e reagimos a elas. Isso fala acerca das coisas que realmente são importantes para nós.

Em segundo lugar, unidade no trabalho (1.27). Devemos, outrossim, lutar juntos pela fé evangélica. A igreja não é apenas um amontoado de gente vivendo num parque de diversão, mas um grupo de atletas trabalhando juntos pelo mesmo objetivo. Paulo diz que os crentes devem trabalhar juntos como atletas de um time, todos com a mente focada no mesmo alvo, o avanço do evangelho.

Em terceiro lugar, unidade na fé (1.27). A igreja precisa ter unidade doutrinária. Precisamos lutar não por modismos, doutrinas de homens, mas ela fé evangélica. Fora da verdade não há unidade (Ef 4.1-6).

Muitos cristãos fraquejam, ensarilham as armas e fogem do combate na hora da tribulação. Outros se distanciam não da obra, mas dos irmãos e rompem a comunhão fraternal. Paulo exorta-os a estarem juntos e firmes, lutando pela fé evangélica.

3. A necessidade de coragem na perseguição (1.28-30)

A igreja de Filipos estava enfrentando uma ameaça interna (a quebra da comunhão) e uma ameaça externa (a perseguição). Paulo os exorta a trabalharem unidos e também a enfrentarem os adversários sem temor, sabendo que o padecimento por Cristo é uma graça (1.29), pois até mesmo a perseguição à igreja vem da parte de Deus. É bem verdade que somente pela fé, que vem pela graça, pode o sofrimento ser considerado um privilégio.

A expressão: “em nada estais intimidados” contém um verbo expressivo, que sugere o tropel de cavalos assustados. Paulo tem certeza de que seus amigos não explodirão em desordem, sob a pressão da perseguição. Paulo diz, ainda, para a igreja que embora separados geograficamente estão alistados na mesma batalha (1.30).

Ralph Martin diz que os planos de Deus incluem o sofrimento das igrejas (1.29), visto que a natureza da vocação cristã recebeu seu modelo do próprio Senhor encarnado que sofreu e foi humilhado até à morte e morte de cruz (2.6-11). A vida da igreja deriva daquele que exemplificou o padrão do “morrer para viver”. Desta forma não há absolutamente nada incoerente, nem inconsistente, no “destino dos cristãos como comunidade perseguida, inserida num mundo hostil (2.15). Enquanto muitos pregam que a glória é a insígnia de todo cristão, Paulo afirma que a marca distintiva do crente é a cruz. O sofrimento por causa do evangelho não é acidental, mas um alto privilégio, nada menos do que um dom da graça de Deus!

Rev. Hernandes Dias Lopes

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